sábado, 4 de fevereiro de 2012

Nem analógicos, nem digitais: digitalógicos!

Numa das mais lúcidas intervenções de Boaventura de Sousa Santos no Fórum Social Temático 2012, o sociólogo português disse que a ciência política precisa trabalhar hoje com uma terceira categoria, para além da representatividade (partidos e estado) e dos movimentos sociais. É a categoria de "presença". Nesta, ele agrupa uma boa parte dos jovens atuais, que organizam via redes sociais presencialidades, multidões em uma praça, uma rua, em frente a uma loja para protestar, cada vez mais sem a mediação das duas primeiras categorias. Indagado sobre se esses movimentos novos não estão muito distantes dos movimentos tradicionais e se sua pauta poderia ser considerada de esquerda, Boaventura respondeu que o que vê é, na verdade, os próprios movimentos tradicionais, os sindicatos e os partidos de esquerda de costas para esses novos movimentos. Para Boaventura, o problema é que os movimentos tradicionais não têm o costume de se relacionar com a sociedade em geral (com a maioria das pessoas), mas restringe seu interlocutor à chamada sociedade civil "organizada". "A imensa maioria das pessoas não está organizada em partidos, sindicatos e movimentos", lembrou Boaventura. E, com as novas tecnologias, organizanm suas próprias formas de ação. Além disso, considera as pautas desses movimentos de jovens indignados mais à esquerda que a de muitoa partidos e governos progressistas. Portanto, um diálogo precisa ser buscado com eles, pelos movimentos tradicionais, sob pena destes se cristalizarem e diminuírem seu poder de articulação com a realidade das ruas. Boaventura dividiu o tema entre política dos corredores (burocráticos da representação) e política das ruas (na presencialidade coletiva de indivíduos). No final de sua exposição, disse a ele que há anos falamos no FSM que entre os verticalistas (tradicionais) e os horizontalistas (novos movimentos), precisamos de um meio termo com o que há de positivo dos dois. Chamei isso jocosamente de "Diagonalismo", com o qual concordou rindo. O mesmo se passava dentro do FST entre os analógicos e os digitais: nem uma coisa nem outra é o que precisamos, mas um terceiro, mais sistêmico: digitalógico, ou o que seja. FSM digitalógico Caso não se recicle depois deste janeiro de 2012, o Fórum Social Mundial poderá passar a ser considerado um espaço de mediação entre movimentos e alguns grupos de Ongs e não de ação direta, como os mais exaltados da Primavera Árabe esperam de uma ação política que “mude alguma coisa”, nem que seja derrubar um ditador sem saber o que colocar em seu lugar. Para o o FSM seguir sendo considerado legítimo espaço de articulação da sociedade civil global, ele não pode se “cristalizar” nem fazer de sua história uma imanência tautológica e autoreferente, ineficiente para gerar as transformações necessárias. E precisa de novos pontos de contato com os mais jovens. Assim como a esquerda como um todo necessita. Poucos desses jovens, conectados que estão ao infinito da produção estética e simbólica via rede, podem ser atraídos para a ação política pela antiquada estética – dos sindicatos, dos partidos e do próprio Estado. Para esses jovens, a política se confunde muito com a fruição simbólica, com comportamento, a sensação romântica de que são sujeitos dentro de uma coletividade e que fruem da ação direta como se estivessem em grandiosos shows de rock, em grandes happenings. Trata-se de um desafio ante uma tradição política que, por pragmatismo ou preconceito de que se deve disputar a infraestrutura e não a estrutura (a cultura), exageradamente se afastou da cultura e da arte. Como se, em se tratando de humanos, a cultura não fosse a própria infraestrutura e a realidade. Para Carlos Fuentes, a realidade é “o real mais o imaginário”, para Ortega y Gasset o homem é o “animal simbólico” justamente para quem o “supérfluo é o necessário”. No FST, participamos do GT de Cultura para a realização do Festival Internacional de Cultura Livre (Ficlivre), que dialoga diretamente com esta estética, por meio da música, do teatro, circo, literatura, cinema e artes visuais. Arte, cultura colaborativa e política. Onde achamos que há um caminho a ser trilhado para o encontro entre as duas pontas.

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