sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Cultura hacker e ação política

Organizados pela internet, os novos movimentos trazem em comum uma crítica radical, horizontalista não apenas ao mercado, mas a muitas estruturas de mediação entre os cidadãos: estão no foco das insurgências não apenas líderes políticos, mas a mídia, os partidos, os sindicatos, a indústria cultural e o próprio Estado. A tecnologia que se desenvolveu no último período e apropriada por jovens estudantes e desempregados, está sendo usada, neste momento, para hackear, ou seja, para “fazer truques”, sabotar e reunir forças para exigir mudanças neste próprio sistema, a partir do que consideram “o calcanhar de Aquiles do capitalismo”: a cultura colaborativa. Com a cultura da colaboração e do compartilhamento, esses ativistas desvalorizam a ideia central do capitalismo: a própria ideia de acúmulo e de concentração egoísta, tanto de capital privado, quanto de informação e de copyrights restritivos. Ao desenvolverem, via softwares e plataformas livres, mas também pela comunicação livre e a cultura livre geram uma riqueza paralela ao poder instituído, maior quanto mais disponível para todos. Invertem a proposição e colocam-se, no campo cultural-comunicacional, não contra a propriedade privada, mas a favor da propriedade privada para todos, o que os meios de reprodução, hoje, infinitamente mais desenvolvidos tecnologicamente, são capazes de gerar, se se desenvolverem, não como ferramentas digitais de inclusão ao mundo capitalista, mas como ferramentas para gerar uma "cultura digital". Uma vez aberta a tampa da caixa de Pandora do mundo digital, um poder cresce a cada dia, liberando, assim como a mítica caixa, o que há de bom e o que há de mau em corações e mentes contemporâneos. Há inúmeros aspectos positivos e há muitos bastante preocupantes. Um destes é a desconstituição de uma ideia positiva de Estado, necessária para se garantir a própria sociedade mais justa a que esses movimentos almejam. Outras questões relacionam-se à possibilidade real de se mudar algo com este método de mobilização, até o momento praticamente sem consequências a não ser as destituições e quedas, cujas peças são rapidamente substituídas. Desta crítica se produzirão alternativas para um mundo melhor? Sem partidos e sem Estado será possível mudar algo? Claro que não. Mas que Estado? Que partidos? Que esquerda? Afinal hoje, por sua lenta absorção, quando não por sua total incompreensão do que está acontecendo, a esquerda não deixa de ser alvo de críticas dos indignados, que não reconhecem nas práticas de seus partidos e governos, muitas vezes encastelados, a nova cultura política que praticam ponto a ponto, “pessoa a pessoa”, sem mediação. Em Wall Street, qualquer occupy pode falar nos palanques improvisados, desde que não seja em nome de um partido político. Da direita ou da esquerda. Crise da representação Na ponta disso está uma profunda crise da representatividade, da mediação. A crise de legitimidade chegou ao ponto de, no caso dos Anonymous, com suas máscaras de Guy Fawkes (nome de um soldado inglês do século XVI, envolvido em uma conspiração para explodir o Parlamento) os que apareceram na mídia como líderes foram expulsos do grupo. Não à mediação, não aos líderes! É seu slogam. E isso tudo vai muito além do Estado e dos agrupamentos sociais, chegando ao próprio indivíduo. Exigem mais cidadãos e menos indivíduos, mais coletividades e menos individualismo, mais participação e menos representação. E assim como querem do Estado, desejam que o político do século XXI seja menos autorreferente, mais em acordo com as exigências estéticas de um novo momento, em que o poder de vaiar e acertar tomates nos homens públicos é exercido com um apertar de teclas do celular, via Facebook ou Twitter. E se não são frutas a manchar de realidade a camisa, são milhões por vez a manchar nomes e trajetórias artísticas e políticas, para sempre. Um dos perigos da crise de representação é o que já se observa no Brasil: uma tentativa de direcionamento conservador dos “indignados brasileiros”, numa tentativa de “colar” a essa “indignação” um vago “basta de corrupção” usado politicamente, um “que se vayan todos” cheio de potencial despolitizador e eleitoreiro. A capa de uma das últimas edições de 2011 da revista Veja estampa como “ideia fora do lugar” inclusive uma máscara de ativista anonymous, com uma chamada sobre os de motivos para o brasileiro se indignar, obviamente que não contra o sistema, que inclui a mesma mídia conservadora, mas contra uma ideia de corrupção que, infiltrada na crítica ao Estado dos horizonalistas, tenta corromper, a partir de um viés neoliberal, a ideia de Estado, no Brasil. Uma inesperada e falsa aliança grande-imprensa-e-cara-pintadas? Tenta-se, assim, no Brasil, colocar os indignados não contra o modelo capitalista global, mas uma “sociedade civil” indignada contra o “governo estatizante” de Dilma e Lula. Não há dúvidas de que os jovens brasileiros podem perder o trem da história se não se ativerem aos verdadeiros temas de seu tempo, afinal, qual geração foi capaz de utopia parecida à Primavera Árabe? O Maio de 1968? Os antiglobais de Seatle de 1999? Os altermundistas do FSM reunidos em Porto Alegre, Mumbai, Caracas, Nairóbi, Belém, Dacar? Mas a esquerda brasileira como se sente em relação a esta tarefa? Consegue dialogar com os jovens outrora vistos como consumistas passivos e individualistas fúteis, campo no qual o hedonismo capitalista se desenvolve com mais velocidade? Conseguirá reconhecer os pontos positivos desta indignação, renovando, inclusive a forma de ser e de falar com esses grupos, sem a verticalidade arrogante daqueles que “realmente” se indignaram contra o sistema? O certo é que, se não novo, algo diferente está aí, pelo menos no que se refere a sua intensidade. O próprio FSM já notou isso e, sob o risco de parecer anacrônico em relação a esses movimentos, reorganizou seu evento, ocorrido há poucos dias. Muito mais rápido do que as decisões do Conselho Internacional do Fórum, o mundo está impondo uma pauta nova. Assim, o até então chamado Fórum Social Temático Justiça Social e Ambiental passou a se chamar, recentemente, Fórum Social Temático Crise Capitalista, Justiça Social e Ambiental. Reflete, dessa maneira, uma necessidade de o Fórum Social Mundial estar atento ao que está ocorrendo atualmente no mundo sem ser ultrapassado pela realidade. A crise ambiental é crucial e precisa ser enfrentada, mas há uma crise econômica e uma crise de representação, de democracia, que necessita de respostas da mesma forma urgentes. Neste momento responder a aspectos pontuais da crise ambiental é insuficiente.

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