sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Construindo um Estado-rede II

O ano de 2011 foi marcado por intensas mobilizações, principalmente de jovens diretamente afetados pela atual crise, fruto de um modelo de acumulação que se mostra incapaz de incluir, de maneira digna, a maioria da população. No rastro da Primavera Árabe (Tunísia, Egito, Líbia e outros) no norte da África, uma onda de mobilizações se espalha. Espanha, Grécia, Inglaterra, Itália, Portugal, Estados Unidos, Chile e diversos outros países sentem os efeitos de uma força que tem desmanchado no ar lideranças outrora sólidas, seja no mercado, seja no poder político. Inclusive de maneira bárbara, com as tintas das revoluções, testemunhamos, online, a queda de presidentes, ditadores e primeiros ministros, alguns até então tidos como inabaláveis lideranças de países importantes para o centro do poder financeiro. Em menor ou maior grau de acirramento, se alastraram por dezenas de cidades de todos os continentes os sintomas de um mal-estar no modelo econômico, social e político em andamento. Pois esses movimentos, ou integrantes deles, estiveram em Porto Alegre, de 24 a 28 de janeiro de 2012, no Fórum Social Temático Crise Capitalista, Justiça Social e Ambiental. Presencialmente ou participando via internet. Durante o FST, o Conexões Globais 2.0 - Festival Internacional de Cultura Livre (FicLivre), realizado na Casa de Cultura Mario Quintana, proporcionou, em oito webconferências e dezenas de oficinas, conferências e desconferências, um diálogo global entre integrantes desses movimentos e o FST 2012. O que virá pela frente? Além do encontro preparatório à Rio + 20, de que maneira o Fórum Social Mundial vai se articular com a pauta relativa à “crise capitalista” atual? A cultura digital é uma arma para ampliar a democracia real? Como articular analógicos e digitais para um maior poder de transformação dos movimentos? Qual o papel dos Estados, sindicatos e partidos no mundo atual? Como lidar com a categoria de presença (conceito de Boaventura de Sousa Santos, e que o sociólogo português posiciona como nova categoria da ciência política hoje, ao lado de movimento social e representatividade)? Como fazer para que haja uma maior articulação entre a presencialidade dos indignados (e a pós-presença na praça), a força dos movimentos sociais e o poder dos Estados? Questões como essas foram trazidas, mas obviamente não respondidas em tão pouco tempo. Mas ficaram como perguntas a animar movimentos, coletivos e indivíduos que vieram, como vêm há anos a Porto Alegre e ao Rio Grande para juntos construírem esta plataforma de conceitos e práticas para transformações locais e globais, laboratório de políticas sociais, econômicas, ambientais, culturais e tecnológicas inovadoras. Nova cultura política Nas Américas, as mobilizações têm os Estados Unidos - a nação mais poderosa do planeta, mergulhada num clima de tensionamentos populares por transformações do modelo financeiro. O movimento Ocupe Wall Street vem gerando, para além do território estadunidense, uma série de acampamentos. Já são mais de 80 países. No Brasil iniciaram-se “ocupações anticapitalistas” na Cinelândia, centro do Rio, e no Anhagabaú, zona central de São Paulo. Em diversas datas, como o 18 de outubro de 2011, organizaram-se ações globais anticapitalistas em cada canto mostrando em idiomas e cores locais aspectos diversos de uma mesma crise civilizacional. Seja na Plaza del Sol, na Plaza España, em Wall Street, em frente do Teatro Municipal do Rio de Janeiro ou sob o Viaduto do Chá, os acampamentos, autogestionários, mostram em suas faixas e cartazes que os jovens acampam por paz com justiça social, por democracia real, um mundo ambientalmente, economicamente e socialmente sustentável, feito a partir da ação cidadã em rede, da cultura colaborativa, do compartilhamento de bens culturais, da democratização da mídia, da diversidade ambiental, da diversidade cultural, da livre orientação sexual, da liberdade de ir e vir, de um controle global dos fluxos de capital volátil, e de muitos dos outros conceitos de uma “nova cultura política”, que há mais de 11 anos são discutidos e espalhados pelo mundo a partir das diversas edições do Fórum Social Mundial, iniciado em janeiro de 2001, na capital gaúcha. A base desta nova cultura política é a democracia participativa, a economia solidária e a cultura colaborativa. Os jovens espanhóis, ao conclamarem seu “Democracia Real Ya”, têm mostrado em seus cartazes na Plaza del Sol, como um de seus nortes é o orçamento participativo de origem porto-alegrense. E sua crítica, não apenas ao governo, mas ao Estado, talvez possa encontrar algumas das respostas que procuram nas ferramentas que o atual governo do RS está desenvolvendo e já aplicando. Em diversas frentes, temos gerado uma ideia de Estado mais participativo e em rede com o cidadão. Este encontro de indignados, mesmo que virtual (dez mil pessoas passaram pela CCMQ durante o Conexões Globais; 100 mil participaram pela web!) nos possibilitou um momento de importantes reflexões e se consubstanciou em uma enorme oportunidade de encontrar pontos de contato entre ativistas, movimentos sociais e um governo progressista, como é o caso do governo Tarso. Para onde vão estes movimentos, depois disso tudo? O Fórum Social Mundial acompanhará esses movimentos ou poderá se cristalizar como uma instância de mediação, bem menos atrativa que a ação direta da atual orientação do altermundismo horizontalista? Não sabemos ainda que impactos esses movimentos terão para dentro do próprio FSM, depois do FST 2012, nem para Porto Alegre, para o Rio Grande e para o Brasil. Mas é preciso se preparar para que o melhor disto nos ajude na construção de um Estado mais atento à vida nas ruas, menos arrogante em sua relação com a população, um Estado-rede.

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