sábado, 14 de janeiro de 2012

Auto-retrato com neve

O esboço da minha cabeça foi desenhado a lápis, até resultar um homem de cabelos ralos e com barba apenas no queixo, de olhos arregalados e cheio de bolsas, como os de um cavalo. A boca eu representei levemente aberta, como numa foto em que os movimentos são congelados sempre antes ou depois do tempo - sem a ilusão da boca fechada. Depois este mesmo esboço foi escondido aos poucos pelo óleo denso, em pinceladas que ora me desfiguravam, ora traziam os pelos de uma orelha ou uma ruga da testa para a tela. Optei por um branco pálido e levemente bege em alguns pontos da face, a dar a impressão da cor da pele pouco exposta ao sol. Dei expressão às rugas abaixo dos lábios com mais força do que a todos os outros traços, porque queria que resultassem graves, ou desenhadas pelo escândalo, como dos leitores de Bernhardt ou Cioran. Atrás de mim surgiu um alvo campo com um caminho curvo e galhos secos brotando da neve. A cada pincelada parecia menos eu, mas era mais eu.

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