domingo, 6 de março de 2011

A vida é um gênero literário

A vida nos é dada, mas não nos é dada pronta. Por isso, para Ortega, o ser humano está sempre em uma posição dificílima. Não lhe é dada de maneira completa a forma de sua vida, como foi dada à àrvore, à pedra ou ao tigre. Para ser, o humano precisa fazer-se. Precisa escolher a todo instante a sua forma de ser e é por isso que é forçado a ser livre (disse isso antes de Sartre, inclusive). "Es, por fuerza, libre", escreve Ortega (vol 8, Obras Completas da Alianza Editorial, 1994. p. 28). Assim é como se lhe fosse dito que se ele quer ser realmente ele próprio tem que adotar uma forma de vida muito determinada. Tem que determinar-se a si próprio, fazer-se a si pŕoprio o que ele mesmo é. "Agora: tu podes, se queres, não adotá-la e decidir ser outra coisa e não aquela que tem que ser". Tem que ser! A necessidade humana, para Ortega, é o terrível imperativo de autenticidade. "Quem livremente não a cumpre, falsifica sua vida, a desvive, se suicida". Fica oco por dentro, um homem-massa que tudo o que possui, como oco, é eco do que vem de fora. A cortesia cruel do destino é que o homem é convidado inclusive a ser o que ele não é. Mesmo a ser nada. Então, diz o filósofo: "o imperativo de autenticidade é um imperativo de invenção. Por isso a faculdade primordial do homem é a fantasia". Inclusive "o que se chama pensar científico não é psicologicamente senão uma variedade da fantasia, é a fantasia da exatidão. A vida humana é, portanto, faina poética, invenção do personagem que cada qual, que cada época tem que ser. O homem é novelista de si mesmo. E quando a um povo lhe seca a fantasia para criar seu próprio programa vital, está perdido. Já disse a vocês que a condição humana é estupefaciante. Pois bem, a vida resulta exatamente... um gênero literário!".

Antropofagia espanhola

"No imagine, pues, el lector mi viaje a Alemania como el viaje de un devoto peregrino que va a besar en Roma el pié del Santo Padre. Todo lo contrario. Era el raudo vuelo predatorio, el descenso de flecha que hace el joven azor hambriento sobre algo vivo, carnoso, que su ojo redondo y alerta descubre en la campiña. En aquella mi mocedad apasionada era yo, en efecto, un poco ese gavilán joven, era voraz, altivo, bélico, y como él manejaba la pluma. La cosa era, pues, muy sencilla. Yo iba a Alemania para traerme al rincón de la ruina la cultura alemana y allí devorala". Ortega y Gasset, J. Obras Completas, vol. 8, p.24. Alianza Editorial, Madrid, 1994 (revisada). Essa relação altiva com o conhecimento e não a assimilação passiva é uma espécie de antropofagia orteguiana, espanhola.

Orteguiana do dia

"O cinismo é sempre um pouco de exibicionismo". Está em Prólogo para Alemanes, p.25, vol.8 das Obras Completas da Alianza Editorial.