sexta-feira, 13 de novembro de 2009

O mundo perde em Porto Alegre

Contribuições para uma análise, escritas em 2004. Ainda atuais, nesses tempos de volta do FSM para Porto Alegre e região... Foi publicada pelo nosso amigo Renato Rovai na Revista Fórum, e em algumas outras. A seguir, partes.


"A possibilidade de o Fórum Social Mundial não ter mais sua sede permanente em Porto Alegre só surpreende aqueles que não entenderam o que estava por trás das eleições municipais dessa emblemática cidade, em que uma coalização de partidos de direita (de conservadores a neoliberais) derrotou a Frente Popular (PT, PC do B, PSB). Não se tratava de mudar ou não um governo exitoso de 16 anos. Não se tratava de fazer um experimento, para ver se a saúde e a segurança melhoravam.
Alguns elementos permaneceram ocultos nas eleições nessa capital de mais de um milhão de habitantes e em que essas áreas são reconhecidamente muito melhor conduzidas que em qualquer outro lugar do Brasil (um país pobre com uma cidade sui-generis, cujos Índices de Desenvolvimento Humano são
comparáveis até mesmo aos de muitos municípios europeus, graças a políticas arrojadas e instrumentos inovadores). Ocultos não apenas dos restantes dos habitantes do planeta, mas dos próprios porto-alegrenses.
Foi um embate entre dois mundos. De um lado o liberalismo econômico, a conservação da exploração do homem pelo homem para acumular lucro. De outro a tentativa de construir um mundo melhor, países afora, inspirada em grande parte na experiência de Porto Alegre, riqueza que muitos porto-alegrenses sequer chegaram a compreender. É isso o que deveríamos ter condições de enxergar neste momento: não o conheceram porque muitas vezes vivem presas de uma fantasia, uma realidade fabricada por poderosos grupos de comunicação locais e seus grupos econômicos aliados.
Não é de hoje que se sabe que o que aconteceu em Porto Alegre nesses 16 anos, e que motivou a vinda do Fórum para cá, é mais conhecido por uma infinidade de pessoas, movimentos sociais, partidos, sindicatos, associações e governos no mundo todo do que pela própria cidade em que tudo isso começou. Basta recuperar o que o maior jornal da cidade dizia do Fórum em seu primeiro ano, posição que gradualmente foi se modificando por força de uma contradição que se apresentava óbvia e ululante à frente dos moradores da cidade. Sempre diminuiu a importância do FSM, reduzindo-o a uma feira, importante para movimentar o comércio e os serviços locais em uma época em que a cidade estava vazia (as férias de verão). Pois bem, essa pouca importância contrasta frontalmente com o que ele verdadeiramente significa, para gente de diversos países do mundo, onde as cidades brasileiras mais conhecidas são Rio de Janeiro, São Paulo. E, desde 2001, Porto Alegre. E apenas essa última é lembrada só por seus aspectos positivos.
Passamos os primeiros seis meses de 2004 na Espanha. Mais de uma vez apresentados, eu e a fotógrafa Ana Paula Stock, não apenas como brasileiros, mas como pessoas que viviam em um lugar especial. Foram muitas as vezes que isso aconteceu. E uma dessas manifestações nos marcou profundamente. Uma amiga, emocionada, dizia a um grupo, em León, cidade no norte espanhol: “Esses são Jéferson e Ana Paula. Eles são brasileiros, mas, melhor ainda, eles são de Porto Alegre”. León é uma cidade de 170 mil habitantes, em Castilla y León, a quase cem quilômetros de Portugal. Uma cidade pequena, mas lá, assim, como em diversos municípios europeus, muitas pessoas não só conheciam Porto Alegre como entendiam o que aconteceu por aqui, talvez muito mais do que os próprios porto-alegrenses, conforme o que ficou expresso nas urnas de domingo (...)”.

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